segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Resposta de Pedro Miguel a Virginia Marton

Babe,

Sim, sim, o México, eu sei, os outros talvez digam: os arruaceiros novamente, outra vez eles, oh, outra vez, por quê, por quê? E então talvez eu me importe, talvez não, bem, sim, eu me importo um pouco, tenho de admitir, mas, ao mesmo tempo, acho que seria incrível rasgar o deserto e depois de enfrentar essa fornalha, alcançar aquela floresta estranha, você sabe, você já ouviu essa conversa, é terrível, a única maneira de passar por lá é sendo a própria floresta, sua respiração e a nuvem de insetos devem ser uma única coisa, insetos mortos grudados no seu suor, nas suas roupas empapadas, na sua pele, nos seus cabelos, e não há como lutar, é preciso se deixar arrastar, é preciso, eu sei, eu sei, cabeça demais essa conversa, mas.

Preciso lhe dizer, encontrei Camille semana passada, e zum, quando percebi, estávamos em um trem, destino: Nashville, nós dois e mais dezoito pessoas, algumas chapadas, outras não, algumas dançando, outras lendo, algumas dormindo, outras apenas curtindo a estrada, mas todas numa boa e eu sei, essa conversa talvez soe clichê deveras, mas, você sabe, Virginia, Camille passou por uma fase difícil, parecida com aquela que atravessei ano passado, por isso temos nos entendido tanto, eu acho, como se eu pudesse ser um pouco Camille e ela um pouco Pedro, uma espécie de Pedro-Camille, ao menos no meu mundo de fantasia, claro, claro, mas, enfim, você deve se lembrar como fiquei largado no ano passado, mal me levantando para comer, pensando apenas no fim, no fim, apenas eu, eu, eu mesmo, você sabe, babe, mas, agora, agora, agora Camille está em outra e é isso aí. Por isso esse meu respeito a uma turma toda indo para um lugar qualquer, todos numa boa, pessoas se jogando num lago, gente atravessando tardes mandando ver canções de tudo que é tipo, alguns outros jogando baralho no fundo do quintal, todo mundo dormindo abraçado no chão - todo mundo não, só aqueles que quiseram; eu mesmo, no segundo dia, precisei me esticar só, porque é preciso estar só também, babe, você está me entendendo, e então todos nós estávamos nos entendendo tão bem, nada de amarras, e estou louco para jogar aquele bilhar de sempre contigo, mas, é óbvio, não me meterei à besta, nada de apostas, eu me recordo do seu olho certeiro, bola oito na caçapa do meio, plaft, pum, além do mais, você sabe, o que vale é o prazer do jogo, veja se não vá corromper a delícia de ver as bolinhas rolando no gramado por causa de uns trocados - se bem que uma grana sempre é bem vinda, é, é sim, eu sei.

Bill estava lá também, acho que algumas de nossas diferenças se diluíram nesta viagem e jogamos futebol e fizemos dupla de ataque e depois fomos ver as mulheres no centro da cidade e depois passamos a noite bebendo cerveja, sentados em uma ponte sobre um rio incrível que passa por lá e como eu gosto desse cara, Virginia. Gosto muito de Bill, o sacana. Depois Johnny chegou e, claro, se jogou da ponte, você conhece Johnny, oh, Johnny, meu pequeno amigo, louco até os ossos, eu diria, mas não direi, porque sinto tanto que às vezes nossos olhos podem ser apenas mais alguns olhos tentando dizer a Johnny o que ele não deve fazer e isso não me parece algo muito legal, afinal, o salto em direção à água foi algo realmente digno de nota, depois do susto Bill disse - disse não, gritou - EI, JOHNNY, ESSE MERECEU UM 9.7 e eu tive que me render a eles e dizer JOHNNY, SEU PILANTRA, 9.8, UAU. E também Lucie estava lá e eu muitas vezes não entendo porque não casamos ainda e eu nunca vou saber, talvez apenas um dia case com ela, talvez não, esse fluxo de vida tem sido tão doce, Virginia, você deve estar me entendendo, o problema todo é que as coisas simplesmente não aconteceram, talvez o problema é que eu não tenha me apaixonado enlouquecidamente por ela - e você deve ter consciência de que eu tenho pensado muito a respeito do que é se apaixonar enlouquecidamente, principalmente depois de Ginger, oh, Ginger, pequena Ginger -, mas, de qualquer forma, você sabe, embora nos gostemos, dos nossos encontros quase sempre surgem algumas faíscas, atritos, mas as coisas se movem, não? E ela estava realmente muito linda e também Camille, mas Camille é uma outra conversa, ela às vezes consegue ser mais confusa do que eu, hah. Mas é uma garota e tanto, acho incrível como ela consegue juntar as pessoas, nesse sentido ela me lembra um pouco você, espero que a comparação não te incomode, eu sei, eu sei, e acho também que ela consegue sonhar, sabe, Virginia? So-nhar.

E fizemos a festa e a cada meia hora aparecia algum morador da região e vinham sempre serenos, porque a cidade é de uma serenidade impressionante, e eles também são bastante sorridentes, e traziam presentes, bebidas, e ficavam por ali, e traziam coisas para vender, e nos venderam garrafões de vinho, e nos venderam artesanato aos montes, e nos venderam pães, bolos e nos levaram para os lugares onde as coisas aconteciam e gastamos nossos dinheiros nesses lugares e tentei ser carinhoso com Judy, uma moça duns vinte anos lá da região, e essa minha tentativa de lhe dar um abraço fez com que ela até o final da viagem me tratasse com uma frieza discreta e eu lhe juro, Virginia, em momento algum passou pela minha cabeça que ela, eu - eu só queria lhe dar um abraço. Enfim. Mas houve muita alegria e eles foram todos incríveis conosco e são pessoas maravilhosas e o lugar é lindo, Virginia. E, Virginia, às vezes me arrependo de não ter ido para aí, fico imaginando como vocês têm passado as noites, fico pensando que eu poderia estar com vocês e com esses caras desse lugar incrível, ouvir as histórias deles, dançarmos todos ao redor de uma jukebox cheia de músicas ruins, e que poderíamos passar as noites de olho nesse céu estrelado, porque o céu daí certamente é estrelado, e eu dormiria o dia todo, por causa do calor e eu sei que nós enlouqueceríamos e iríamos para o México de um jeito ou de outro, e agorinha mesmo estaríamos vendo aquelas pessoas que nem imaginamos como são, mas que um dia veremos e que um dia passarão por nós, todos ligados a um outro tempo, tão difícil para nós entendermos, e, claro, em algum momento ficaríamos de mau humor e talvez você não me suportasse por uns dias ou eu mesmo iria querer voltar para minha casa aconchegante, ou então eu reclamaria do desconforto do banco do carro, mas nós também nos divertiríamos a valer, Virginia, atirando em latas, com uma Colt 45 que pegaríamos emprestada de algum cowboy - eles estão por toda parte -, ou lendo em voz alta os poemas de Whitman ou talvez fazendo uma balbúrdia em algum bar com um bandolim e uma gaita, noite adentro, dançando e cantando, ou conversando com os velhos que nos contariam coisas dos outros tempos ou então, uau!

E, claro, grande Lousie, seu pequeno peixe, eu posso tentar imaginar, eu sei que minhas conversas muitas vezes são uma espécie de delírio, não me importo, mas, sim, eu sei, às vezes eu sei, pontes, pontes, pontes. Sem sentimentalismo algum, conexão apenas, eu tenho tanto pensado nisso, esse mundo é terrível às vezes, mas há tanto, tanto e às vezes nos esquecemos um pouco dessa necessidade de completitude que aprendemos desde criancinhas e surge então a chance dos sobrevôos e quando vemos estamos lá e então lá e depois lá e vamos saltando longas distâncias e e e.

É por aí. Um beijo estalado.

Pedro Miguel

3 comentários:

Anônimo disse...

mentira que to nos links! que honra! hahaha

nao li o texto ainda, mas lerei assim que comer alguma coisa. rs

beijos e bora fazer alguma coisa de util com nossas vidas?

Dia 10 disse...

Mas, assim, logo no ossinho da risada, velho?! E tu sabes que tal frase cabe no poema.

Anônimo disse...

li.

eu nao contaria melhor.