domingo, 8 de fevereiro de 2009

Apresentando Johnny.

Houve essa vez em que eu resolvi que deveria aprender a jogar bilhar. Depois da carta de Virginia, a vontade de mandar ver nos bares da cidade se tornou cada vez maior. E eu queria já começar antes mesmo dela voltar de San Antonio, para fazermos glória e dinheiros pelo mundo assim que ela pisasse em Jersey. Desci à casa do meu amigo Johnny, um cara acostumado a encaçapar as bolinhas. Ei, Johnny, como vai? Ele me sorriu e nos cumprimentamos à moda dos mal encarados da rua 18. Ele entrou na casa e eu o segui. Bebe um café? Claro. Sentaí. Bebemos café, eu sentado à mesa, Johnny acomodado sobre a mesa. Isso é uma das coisas que mais gosto nesse cara, algo que, de alguma forma, eu sempre tento levar comigo. Não me refiro ao fato específico dele ficar sentado no tampão de uma mesa com a xícara de café equilibrada no joelho; é como se eu considerasse aquele ato apenas como uma pequena mostra, um índice singelo de algo maior: a mania de Johnny de se dependurar em tudo que é lugar. Eu sei que isso pode soar imensamente pueril e deve mesmo ser. Não importa. Nada se compara a uma certa alegria que o corpo sente quando você salta um banco de praça ou se equilibra sobre um canteiro ou escala um muro para se instalar lá em cima. É quase como dançar - de um jeito mais informal, claro, mas, ainda assim, uma espécie de dança.

E então ficamos ali bebendo café. Eu não quis convidar Johnny logo para jogarmos e tampouco contei meus planos de me tornar um grande mestre do bilhar, porque achei que estava bom ficarmos ali, em uma espécie de nada-fazer. Isso é bom em Johnny, ele é um cara silencioso quase sempre. Às vezes esse comportamento causa problemas, é verdade. Como na época em que ele estava tendo um caso com Ellie. Eles haviam começado o negócio há pouco tempo, mas, parece, ela já estava gamada nele. E então estou eu sentado sobre o muro da minha casa, comendo ameixas e jogando os caroços no chão de terra do quintal, quando Ellie está passando com uma garota, uma loira nada mal que se chamava Joyce ou June ou alguma coisa assim e eu, uau, que loira, nada mal, nada mal e, ei, Ellie, Ellie! Ellie! E Ellie me viu e veio até mim e, como vai, querido? É aqui onde você mora? Que bacana. E, sim, quer entrar, tomar alguma coisa, Ellie? Quem é a sua amiga, etc. E Ellie, não posso agora, estou procurando a casa do Johnny, ele me disse uma vez que era por aqui, você sabe onde é? Mas claro, levo vocês duas lá, só um instante, vou lavar as mãos e botar uma camiseta e, claro, eu estava calculando tudo, 2+2=4, e tínhamos então um número par, uau. O próximo passo foi andarmos rua abaixo. Alcançamos a casa do Don Juan. Quando Johnny nos viu à porta, fez uma cara engraçada. Deixou a gente entrar. Ficamos ali pela sala, ele quieto, Ellie se agarrando no pescoço dele, ele balbuciando alguma coisa como "preciso sair, vocês vão ter que ir embora, será que não podem voltar mais tarde?" Eu não entendia nada, mas não podia me esforçar na tarefa de entender, estava tentando conversar com Janet - ou Joan, sei lá -, meus hormônios falando comigo, eles diziam, bem, você não tem mais dezesseis anos, mas, caramba, sempre pode se divertir. E eu queria ir à cozinha, mas Johnny disse, NÃO, quero dizer, não vá lá agora, o que você quer, eu pego pra você. Entendi menos ainda e puxei Johnny de lado e ele me sussurrou ao ouvido: droga, estou morando com uma garota há quatro meses, ela está dormindo no quarto agora, se vir Ellie ou qualquer outra mulher aqui vai me matar. Claro, se Johnny tivesse me dito antes eu não teria levado Ellie até lá, mas nããão, esse é Johnny, meus amigos.

Então estamos bebendo café e depois Johnny segue até a garagem, que fica no fundo da casa. Vou ao banheiro. Logo me junto a ele. Dou com Johnny fuçando uma velha 125. Que parada é essa, Johnny? Ah, troquei por aquele fogão mais dois butijões de gás. Funciona? Parece que sim, tem com um problema no carburador, mas acho que posso dar um jeito. Sentei no chão. Johnny mexia na motocicleta, as nuvens foram fechando, o céu escurecendo. Pensei que devia logo ir jogar bilhar, antes que a chuva despencasse. Mas fiquei com preguiça e, claro, quando você tem preguiça, muitas vezes o melhor é se deitar no chão e relaxar. Johnny perguntou se eu não podia dar a partida na moto, ele não podia porque uma bicicleta tinha passado em cima do pé esquerdo dele dois dias atrás. Dei a partida e o negócio funcionou. Johnny montou na moto e ficou dando voltas pelo quintal com um sorriso no rosto. Uma volta. Duas voltas. ZUM! Três voltas. Oito voltas. Depois parou, desceu da moto. Botou as mãos nos quadris e ficou olhando pra ela, cheio de contentamento. Meus olhos pulavam da moto para ele, dele para a moto. Então ele olhou para mim. E de volta para a moto. Depois para mim outra vez. Dei lhe um tapa no ombro, é isso aí, Johnny. Ele disse que ia tomar banho. Isso significava que iríamos de moto até a 25, ver se arranjávamos umas garotas ou alguma confusão. Ou as duas coisas. E foi isso que fizémos. Rasgamos pela Principal e logo estávamos no Martin's. Eu ainda tinha que jogar bilhar, mas foi nesse dia que vi Ginger a primeira vez e aí, bem, esqueci do bilhar, é que Ginger era - é - a dona das pernas mais deslumbrantes que já vi em toda a minha vida, mas sobre ela eu conto outro dia, porque logo depois estamos Johnny e eu voltando para casa e não demorou para ouvirmos uma sirene, oh, merda, é com a gente, você não tem os documentos da moto, não é? Exato, não tenho, e também não tenho carteira e então Johnny cortou pela 17, contornou como um louco o Teatro Municipal, e os tiras na nossa cola, oh, merda, merda, merda e subimos na calçada e atravessamos a praça Lawton Jr., o carro da polícia circundando a praça, babando como cachorros em busca de um osso - mas por que mesmo estão nos seguindo? -, Johnny acelerando como um louco, desviando das árvores, oh, merda, merda, e então ouvimos o primeiro tiro, o segundo, MEEERDA, eles estão ATIRANDO - e nem roubamos um banco ainda! - , e então Johnny cortou até a estátua do Grande Desbravador Cheio de Cocô de Pomba - o homem que fundou Jersey - e lá havia uma escadaria e VRUUUM, rumamos até o topo, o carro da polícia parando, a rua seguinte distante demais para eles contornarem, o Parque do Grande Desbravador um labirinto onde seria impossível nos encontrarem, inúmeras saídas, o vento da noite em nossos rostos, seres noturnos zanzando pelo parque, e UAU, zarpávamos rumo à vitória, saímos do parque e. Demos de cara com outras duas viaturas.

E no xadrez conheci um pederasta que queria me comer de todo jeito, a minha sorte é que não se tratava de um cara violento, pelo contrário. Conversava numa boa. Johnny sim teve problemas sérios, pelo que me contou depois; na cela onde o jogaram - que estava lotada; ele não tinha curso universitário como eu - queriam suas roupas. Um negro com uma bandana na cabeça e uma corrente no pescoço queria as calças. Um cabeludo com uma cicatriz no rosto lhe pediu as botas. Um barbudo corcunda queria a camiseta. Um baixinho de bigode que tinha tuberculose mandou que lhe entregasse as cuecas. Então Johnny se jogou sobre o negro com a bandana e travou uma briga com o cara. Tomou um cacete, é óbvio. Mas os caras lhe admiraram pela coragem - acho que não conheciam a palavra desespero, para eles era MEDO ou CORAGEM, sem meio termos, e deixaram que o sortudo entregasse apenas as botas. Do meu lado passei a noite jogando pôquer com o tal pederasta. Ele não quis me dizer porque havia sido preso. E deu risada quando eu contei a história da moto. Ele botou a mão no meu joelho e eu deixei. Ele botou a mão na minha coxa. Ok. Depois meteu a mão entre as minhas pernas e aí achei que era demais. Eu simplesmente não ia conseguir. Ele até disse que eu podia fechar os olhos e imaginar uma puta me chupando. Mas disse que depois iria querer compensação. E deu risada. Me levantei. Ô, meu chapa. Vamos parar por aqui. Tentei fazer pose de durão, pra meter medo no cara. Mas ele sabia, eu ainda morava com a minha mãe. Então sentei outra vez na beira da minha cama. Ele, por fim, sossegou um pouco. Sacou um baralho de baixo do colchão e propôs o jogo. Era um fenômeno. Ganhou todas e depois me disse que aos vinte anos ganhava a vida com sete mesas de pôquer na esquina da 10 com a Principal. Ele jogava simultaneamente nessas mesas, contra sete adversários, ao mesmo tempo, e rapelava todos eles. Era o maior. Até que um tal de Mr. Q., jogador profissional formado em Harvard, apareceu por ali e o derrotou. Sua moral foi lá embaixo, não conseguia mais ganhar nem de um garoto de cinco anos. Morou nas ruas uns dois anos, pedindo esmolas. É duro, meu amigo, quando você simplesmente não acredita em mais nada - e não estou falando de Deus, estou falando de não acreditar mais que seja possível, só isso. Mas então aos poucos fui me reestabelecendo e depois me mandei para um squat em Londres - como conseguiu a grana para ir para lá ele não me contou - onde morei por cerca de oito anos. Era um lugar formidável, as pessoas se organizavam e cuidavam de suas vidas, mas ao mesmo tempo, uns estavam sempre perto do outros. Trabalhávamos para nós mesmos, no que isso era possível, e fazíamos festas e mais festas e o lugar atraía todo tipo de gente, uma diversidade incrível. Mas daí o Estado precisava do quarteirão para fazer um Museu, porque a área toda estava sendo revitalizada. E veio a polícia e, claro, resistimos, mas daí as coisas foram ficando cada vez mais difíceis. Porrada, meu amigo. Vê essa marca no meu braço aqui? Bala de borracha que é aquela bala que, dizem, não machuca muito, a não ser que acerte no seu olho, mas as chances são poucas, então não há com que se preocupar, hah, e então fui deportado, porque era ilegal. E então eu disse, uau, cara, que história, hein!? E ele disse, ah, não se empolgue, não se empolgue; mas, bem... Se você gostou mesmo da história, acho que podíamos pensar naquela compensação, não podíamos? Hahaha.

Nisso um guarda parou à porta da cela. Ao lado dele estavam Bill e Johnny. Johnny vestia umas calças de couro, uma camisa branca, um sobretudo, um chapéu, um par de botas novas, um par de óculos escuros, luvas de couro com os dedos cortados e fumava um cachimbo. Vambora, garoto - Bill havia pago a fiança. Me levantei e me despedi do pederasta, desejei-lhe boa sorte. Para você também, ele me respondeu. Se puder, venha me visitar dia desses. Talvez, respondi. E obrigado por me ensinar os truques todos do pôquer. Não há de quê. Apertamos as mãos. Na rua Johnny me contou onde havia arrumado as roupas: a gente apostou quem estava com mais piolhos e eu ganhei, você não imagina como, dividi os meus ao meio e os estiquei, como naquele conto do Bob Finger, hahaha. E Bill me diz então: Mas me diga, que namorado você arrumou no xadrez, hein, meu camarada? Hahaha.

E no final nem choveu e nem joguei bilhar e pederasta é uma palavra péssima. Mas acabei desistindo do bilhar, ao menos como meio de vida, deixarei o tapete verde apenas para diversão. O meu negócio agora é o pôquer, meu chapa. Se cuidem, trapaceiros de Jersey, o campeão do mundo está chegando, ele começa nessa cidade minúscula e daqui o céu é o limite.

3 comentários:

. disse...

Tá decidido: a minha biografia, você escreve.

Anônimo disse...

posso fazer uma sugestão: cansaria menos os olhos se o fundo fosse branco e a fonte cor de grafite...

meus olhos doem...e queria tanto ler...declama o texto pra mim?

Anônimo disse...

substitua os dois pontos por interrogação.