sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

E, é claro, Annie estava maluca para ver o Show de Jammie and his dogs.

por Pedro Miguel, para Revista Q.

Bem. Eu não nego que Jammie talvez ainda tenha algo a dizer, isto é, talvez ainda consiga enganchar letras inquietantes em freqüências de energia pura. Mas não sei. Isso tudo pode ser muito bem apenas mais alguma balela desses jornalistas gonzo preguiçosos - o que não é realmente um problema, digo, ser um jornalista gonzo preguiçoso, isso até tem lá o seu charme -, mas o que eu pensava logo se concretizou: Jammie, ainda que estivesse em boa forma, apesar dos mais de cinqüenta anos, mais da metade chafurdando na lama, ficava no mínimo a trinta metros da grade de proteção, o palco longe demais; às vezes era impossível dizer que era ele mesmo. Vai saber. Você, que provavelmente estava lá também, vai primeiro dizer que os grandes shows são assim mesmo. E depois talvez argumente que tem essa coisa da energia da multidão, como isso pode transformar um show em algo maravilhoso e vai falar sobre as grandes concentrações de pessoas, como são incríveis, e eu talvez até concorde em parte - daria para contra argumentar facilmente, eu acho -, mas o fato aqui é que estamos falando de Jammie and his dogs, meu amigo, eu tive três cópias em vinil de Refuse the Law, todas gastas e repostas, na minha adolescência, porque bem, era como se eu já soubesse, à época, que, de alguma maneira, Jammie pudesse nos ensinar alguma coisa sobre desobediência, num tempo em que, quero crer, berrar em um microfone ainda era mesmo um estilo de vida e não apenas um negócio que você pode comprar à 10 dólares no supermercado, por mais ingênuo que dizer isso pareça.

E então estamos nós dois e mais dois amigos de Annie, Jerry e Louie, e há pelo menos o quê? Pelo menos umas trinta mil pessoas por ali e sim, gosto de me meter em enrascadas, mas. Quero dizer, às vezes é ótimo se meter em enrascadas, pneus furados, caminhos obscuros, falta de grana durante a noite, gente chata, vazamentos no telhado, brigas com vizinhos, fila no banco, tudo isso pode se tornar uma pequena aventurazinha, se você deixar rolar. Se. E, é claro, o fato daquilo estar cheio como o inferno e das pessoas todas pisarem no meu pé e da cerveja custar cinco vezes mais e de que Jammie, ainda que estivesse em boa forma, não poderia nunca lembrar a lenda do homem que rolava em cacos de vidro e que brigava com gangs inteiras de motoqueiros e que fugiu durante onze meses do FBI, ainda mais sendo um ponto distante no palco, tudo isso, meu amigo, apenas tornava tudo pior. Ali estava um bom show, bom demais, se você quer saber - apesar da bateria cobrir a guitarra em I don't have home to come back - , mas, não estou certo se Jammie era mesmo humano, pra ser sincero. Quero dizer, ele até sorria, da beira do palco, e dava alguns saltos para mostrar que a idade e uma fase com drogas pesadas nem sempre arrasam com um homem, mas não sei, não sei.

Talvez você diga, bem, meu amigo, você não tem mais idade para a coisa e eu direi, talvez você tenha razão. Talvez. Porque boa parte das pessoas ali eram até mais velhas do que eu, se você quer saber a verdade. E isso não significa que a música do velho Jammie não pode tocar os mais novos, também não é isso. Tem esses moleques daqui do quarteirão, eles me conhecem como Joey's Uncle, por causa de Joey, e outro dia eles estavam em casa e eu disse a Annie, ei, o que será que essa molecada ouve e, bem, eles têm um gosto bastante eclético - eu sei, essa palavra é realmente horrível, mas - e isso tem um lado bom, claro, e um lado terrível, mas então coloquei, sem avisá-los e sem fazer nenhum comentário, Jesus I haven't got what you've said, man, em um volume médio e o óbvio aconteceu, eles logo estavam interessados em saber o que era aquilo - menos Joey, que tem uma certa resistência ao que eu lhe apresento, talvez por não querer que eu substitua o pai dele - e todos eles logo estavam batendo o pé junto ou tentando cantar o refrão, imitando a voz de pato rouco de Jammie. Óbvio. Música com batida repetitiva, melodia simples - o refrão é incrível - e uma letra genial, que permite desde uma leitura rasteira até profundas elucubrações críticas a respeito do que nos ensinam, desde pequenos, sobre ser pecador, enchendo nossa cabeça de terrores infindáveis. Voi lá, os garotos sabem das coisas.

Após o show fiquei pensando se não desejava que fosse diferente, talvez eu sentisse falta de algo. Como se eu quisesse que o show de Jammie se enquadrasse no velho esquema de juntar uma turma e fazer alguma coisa juntos: música, música! Sempre me pareceu muito mais excitante um show com os caras ali, saltitando na minha frente, e poder cumprimentar o cara que mandava ver na guitarra, logo depois do show, e de ser amigo de infância do baterista, e depois também fazer o meu próprio barulho e fazer alguma coisa realmente legal, que fala de nós mesmos, de nossos sonhos e dores, e que dura o tempo de se estar ali.

E então estamos presentes ao concerto de Mr. Jammie and his dogs e uau. Um barulho dos infernos e eu realmente queria não ter ido. Aquilo parecia uma boa propaganda de cerveja - impressão reforçada pelos cartazes imensos com os logos da Grift - , com um homem sem camisa gritando ao microfone, tentando, ao meu ver, parecer trinta anos mais novo. Não sei, não sei. De qualquer forma, já que eu tinha ido, resolvi me divertir ao menos um pouco: primeiro contei o número de pessoas com cabelo branco presentes; depois o número de meninas uniformizadas com camisetas estampadas com o rosto do velho roqueiro; então acabei indo para o fundo da pista, onde existia algum espaço e fiquei ali deitado, até que uns garotos sentaram ao meu lado e eles pareciam um pouco entediados e eu perguntei o que eles estavam fazendo ali e eles me disseram que o pai os havia trazido e eu disse que o pai deles parecia um cara legal e eles disseram que sim, mas que às vezes passava dos limites.

6 comentários:

. disse...

É por isso que não devemos colocar nossa vida nas mãos de uma banda de roque enrow.

[em inglês esse comentários ficaria muito mais charmoso, I know.]

Dia 10 disse...

Caráleo, Yanesco. Esse aí eu entendi tudo. Ou eu tô com a cabeça boa hoje, ou tu estás prestes a atingir as massas.

Dia 10 disse...

Gostei muito. Mesmo. (putamerda: nesse exato momento começa a tocar Ivete Sangalo ao meu ouvido)

Yane Santiago disse...

Mas, a filosofia hoje me auxilia, a viver indiferente assim.

Yane Santiago disse...

Thom Yorke está concordando, balançando a cabeça, ali no canto.

Yane Santiago disse...

PS: Não gosto desse texto.