segunda-feira, 22 de junho de 2009

Apresentando Richard Madson.

É verdade, eu me recordo bem do Richard, irmão do Mike; Mike, três vezes preso até que lhe dessem um fim. Éramos apenas crianças, à época, literalmente. Gostava muito de poder passar as tardes sentado à cerca do Casarão, logo à esquina. (O Casarão, em cujo quintal às vezes jogávamos baseball; as árvores nas quais subíamos para depois cuspirmos nos que tinham ficado em baixo. O Casarão, de cujos donos nunca tivémos notícia. O Casarão, depois demolido para ceder lugar a um amontoado de casas, depois demolidas para cederem espaço a um conjunto de lojas, hoje decadentes.) Volta e meia apareciam os outros e nada fazíamos que não fosse matar o tempo. Em algumas ocasiões alguém aparecia com o último número dos quadrinhos do Homem Incrível, este, na época, ainda longe dos cinemas; o Homem Incrível, apenas uma bobagem para moleques, ou seja, para nós; o Homem Incrível e sua capa vermelha e seus olhos azuis, saltando por cima dos prédios então nem tão altos, superando um tipo de morte que para nós aos poucos já desaparecia: os hospitais ainda nem eram tantos; quantas vezes não desci com meu pai até o velho Honky Eagle, mistura de comanche com espanhol, para tomar as garrafadas dele e me curar de alguma gripe naquela época ainda algo quase preocupante? (Me recordo bem de meu avô e suas mãos enormes, dedos duros e repletos de calos, seus últimos meses na cama de seu quarto, aquele cheiro de fim rondando a casa toda e boa parte da nossa rua, cheiro esse que jamais me esqueci e os tantos meses que meu pai andou para cima e para baixo com sua gravata preta puída, após a morte de meu avô.) Mas também já tomávamos Lee Buffallo, o tônico para todos os males, espetacular descoberta científica e tecnológica, sempre anunciado nas rádios, durante os programas de Martin L. Brown, um verdadeiro herói para mim - quantas canções não aprendi e ainda hoje não cantarolo em tardes amenas, anunciadas, à época, pela voz aveludada de Martin L. Brown, em seu programa vespertino? E líamos o Homem Incrível - que fazia muito mais sentido do que Stonehard, mesmo que gingássemos como o próprio, um cowboy desbravador do Oeste, posto que nenhum de nós montava à cavalo - e os bandidos mereciam cada surra que levavam: eram bandidos, afinal. E eu seria como meu pai, um dia, no futuro, trabalharia em uma daquelas fábricas enormes, seria a base do progresso humano, como ele mesmo costumava dizer, ao encaçapar alguma bola no bilhar do Velho Jacob. E Richard aparecia vez em quando, no começo muito quieto, isto é, Richard nunca deixou mesmo de ser, do jeito dele, quieto, mas, no início, ele parecia ser apenas mais um de nós, mesmo que alguns fizessem mais estripulias que outros - no final, éramos mesmo apenas um bando de moleques vadiando pelo bairro. E então Richard me apareceu com uma flauta e, até aquele momento, nós, meninotes ríspidos da rua 12, nunca havíamos visto qualquer coisa parecida e, bem, para meninotes ríspidos da rua 12 - e muito provavelmente para os meninos ríspidos de muitos outros lugares - qualquer coisa não compreendida era cruelmente taxada como coisa de veado. E Richard se tornou o veado da turma, não que ele já não fosse: depois que os garotos começaram a chamá-lo de veado e mariquinhas e outros nomes como esses, pude perceber que ele realmente só podia ser veado com aqueles lábios grossos e vermelhos e a pele muito branca e os cabelos escorridos caídos nos olhos grandes e as mãos frágeis demais para que ele conseguisse subir nas árvores. E então Richard não mais freqüentava a nossa roda de colegas que ficavam no Casarão ou procurando briga com os meninos das outras ruas ou atirando em passarinhos ou lendo o Homem Incrível e comentando dele as aventuras maravilhosas. Não freqüentava em parte, porque ele sempre estava nos arredores, olhando de longe, ou se aproximando até que fosse escorraçado e isso era como as coisas se davam entre nós e Richard e. Bem. Richard hoje é músico na Orquestra Municipal e faz dupla com uma cantora folk, já gravaram um LP e tudo, e hoje ele aparece vez ou outra nas festas que a gente dá, e nos cumprimentamos cordialmente quando nos encontramos no supermercado, mas, muito antes disso, numa tarde de sol, quando eu voltava da venda de Mrs. Clieverlan, topei com Richard sentado na Praça 8, tocando sua flauta e bem. Era realmente bonito aquilo. Não titubeei em sentar ali por perto e ouvir um pouco. Nós não conversamos muito, não por má vontade, mas a verdade é que não tínhamos muito a dizer, nossas cabeças não funcionavam direito para essas coisas, muito mais a minha, eu tinha 8 ou 9 anos. Em algum momento, a seguir, eu, Pedro Miguel, um verdadeiro macho, grande representante da espécie, estava sobre o corpo de Richard e realmente aquilo estava muito bom, não sei precisar exatamente o quê, mas estava gostoso a valer, e ficamos nos mexendo um pouco, nos esfregando um no outro, atrás dos arbustos, até que um de nós se cansasse. Fui para casa sem pensar muito no assunto e Richard sumiu por um tempo e, quando Norbert lhe deu umas bifas, algumas semanas depois, atrás da Igreja, o chamando de mulherzinha dos diabos, eu realmente devo dizer que nada fiz e que realmente não tive muita vontade de fazer coisa alguma - parecia não haver mentira no meu movimento, naquela época eu realmente acreditava que Norbert bater em Richard era algo absolutamente normal.

2 comentários:

Fefa Silva disse...

Oi Yaninho!
To com saudades de tu.

Pauliceno disse...

É que a normalidade das coisas parece mais normal se a gente não pensa muito no assunto mesmo.
Pois que sem pensar nisso, bifas e esfregadas nos arbustos, são de ordens completamente distintas.